Sócrates e a filosofia para crianças
Bruno Fleck
Introdução
Nota-se que a proposta do ensino de filosofia para crianças é
tema discutível ainda no cenário que trata do ensino da filosofia aquém do
nível superior. Inúmeros são os posicionamentos que direcionam opiniões a
extremos. Entretanto, mediante o espaço de discussão ainda aberto, algumas
ideias, propostas e métodos pedagócico-filosóficos surgiram. A proposta e
método de ensino de filosofia para crianças de Matew Lipman é uma destas poucas
alternativas concretas de reflexão e aplicação à temática que aqui tratamos.
O programa criado por Matew Lipman na década de setenta nos
Estados Unidos deve ser levado em consideração não somente pela considerável
estrutura temática que o fundamenta, mas também, por dados que revelam a
eficácia do mesmo. Sua tradução em mais de dez línguas em mais de trinta países
dos cinco continentes revela a eficácia do programa, o que chamou interesse e
resultou no apoio de organismos como UNESCO e UNICEF (KOHAN; WAKSMAN, 1998).
Diante disso, a proposta de Lipman tem muito a contribuir em nossa atividade
que possibilita o “despertar filosófico” em jovens, porém, de modo particular,
senão específico, sobretudo, nas crianças. No que se refere à fundamentação da
proposta, tem relevância neste acontecer filosófico
nas crianças a apropriação que Matew Lipman faz da herança grega da
filosofia, que dispõe de fontes e métodos sem os quais não se faz filosofia.
Neste sentido, destacamos a apropriação que Matew Lipman faz da ironia e maiêutica socráticas.
Apropriação oriunda da
herança socrática
Toda aquisição de conhecimento passa por uma reestruturação
da visão de mundo do sujeito que aprende, conhece. Tal procedimento cognitivo é
o que permite fazer da educação o fator denominador de uma mudança de
consciência, de ser e existir, de pensamento. O movimento que permite isto é dialético; ou seja, é o confronto de
ideias distintas que propicia no sujeito cognitivo inferir um resultado. O
raciocínio lógico começa com contradições. E isto nos é dado pela herança
grega.
Em Sócrates, o diálogo esta na base do filosofar, é o
dramático embate de consciências, confronto de opiniões pessoais (PESSANHA; in REZENDE, 2005, p.64). A partir do dia-logos, das falas e opiniões
contrárias, surge a consciência de que não se sabe tudo, inicia-se o processo,
utilizado por Sócrates e denominado de maiêutica.
A presença do outro, de um interlocutor no diálogo, na partilha de ideias, é
algo determinante no processo do filosofar. A opinião alheia é o que permite a
ampliação de pontos de vista e perspectivas diversas. Sem dúvida, o uso da maiêutica socrática no processo do
acontecer filosófico em crianças que cursam as séries do Ensino Fundamental é
já um pressuposto de futuros cidadãos que, em consequência disso, não terão
dificuldade em vivenciar a alteridade, assim como, poderão desenvolver uma
noção mais esclarecida de política.
Ainda mais, convém ressaltar que o legado socrático do método
maiêutico propiciou a intuição de Matew Lipman de que é neste movimento
dialético que surge o interesse pela investigação, a curiosidade necessária ao
filosofar. A ironia socrática também
teve relevância na proposta de Lipman, ambas as faces da herança socrática tem
evidência no que Lipman chamou de planos
filosóficos de discussão[1].
Trata-se de uma proposta simples, incidindo de um processo ao modus socrático próprio, onde o
professor, que tem a função da ser aquele que desperta os alunos para a atitude filosófica formula um grupo de
perguntas, que ganham profundidade a partir das respostas dos alunos. Pouco a
pouco o processo não se restringe a perguntas e respostas, mas mediante a
mudança de temas exige sempre mais uma reflexão. Segundo a proposta do filósofo
americano, esta série de perguntas que compõe os planos de discussão pode ser de: caráter cumulativo, quando as perguntas se estruturam uma sobre as outras;
ou não cumulativos, quando não há uma
ligação estrita entre as perguntas, o que mediante as respostas e ao problema
chave do grupo de perguntas abre um horizonte mais extenso de possibilidade de
opiniões e ângulos diferentes (Ibid, p.117).
Conclusão
Não resta dúvida de que o método socrático esta presente na
proposta de Matew Lipman e desempenha em seu projeto um fator determinante, o filosofar. O descontentamento gerado pela
dúvida pode ser o caminho para a aporia; o choque de ideias, a frustração da
consciência que se reconhece ignorante, este é o movimento interno, dialético
cognitivo, que garante o início do filosofar já nas crianças. Talvez, esta
parte importante da proposta de Lipman possa ser usada também no Ensino Médio,
para aqueles que nunca tiveram contato com a atitude filosófica. Vale ressaltar,
que o enfoque de Matew Lipman é sempre pertinente, pois aponta o caminho do
ensino da filosofia para crianças e jovens não por via da aquisição de saberes
recorrentes da História da filosofia, o que parece ser o caminho exclusivo na
atuação de muitos; mas uma apropriação das contribuições dos grandes mestres da
filosofia, como o destaque que aqui é dado a Sócrates, que possam direcionar a
finalidade da atuação pedagógica do professor de filosofia para um aprender a filosofar, no sentido pleno
do termo. Configura-se, desse modo, uma proposta pertinente, a ser considerada
nos diversos institutos que não deixam de acreditar que o caminho para a
formação integral de seus alunos, passa, sobretudo, pela filosofia.
Referências Bibliográficas
KOHAN, Walter O; WAKSMAN, Vera (Org). Filosofia
para crianças na prática escolar. Petrópolis, Vozes, 1988.
PERINE,
Marcelo. Ensaio de iniciação ao
filosofar. São Paulo, Loyola, 2007.
REZENDE,
Antonio (Org). Curso de Filosofia.
Rio de Janeiro, Zahar, 2005.
[1] LIPMAN,
Matew. Sobre planos de discussão e
exercícios filosóficos. in KOHAN;
WAKSMAN (Org.). Filosofia para crianças, na prática escolar. Petrópolis,
Ed.Vozes, 1988, p.115.
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