Nada de espantoso encontrar em nosso
cotidiano pessoas, com ou sem formação intelectual, que não reconhecem ou não
demonstram esforço por saber qual o papel da filosofia em meio às diversas
ciências, ou ainda, qual sua utilidade hoje.
Muitos acreditam estar em Diógenes de Laércio, quando relatou o pequeno conto
sobre Tales, a sentença acerca da figura do filósofo. Diz o conto que Tales,
após ser convidado por sua governanta a contemplar as estrelas, ao sair de sua
casa, já atento ao céu estrelado, teria caído numa vala e de dentro da vala
teria sido insultado e convidado, pela velha governanta, a antes de contemplar
a adquirir o conhecimento do céu, ter conhecimento do que existe há um palmo de
sua frente. Pelo que parece assim foi introduziria no senso comum a mais
formosa e bela sentença sobre o filósofo definido como aquele sujeito com uma
enorme e paleolítica barba, pensando com seus botões totalmente desligado do
mundo!
Leso engano. Toda pessoa pode e deve
fazer despertar em si mesma a atitude filosófica. Em que consiste tal atitude?
Evidente que muitas respostas são possíveis, mas podemos entender como
filosófica a atitude de não aceitar, sem antes haver refletido, qualquer
suposta verdade que nos é apresentada; se, por ventura, algumas já estiverem
presentes em nossa vida, em nosso dia-a-dia, trata-se de questioná-las. A
modernidade esclareceu isso, que sem a dúvida
possivelmente não há filosofia. A
atitude filosófica não é a de dar resposta às grandes questões da humanidade, o
caminho é o inverso, é sempre o de problematizar, o que tem e o que não tem
resposta. O filósofo esta inserido na realidade, que é seu campo de trabalho.
Da realidade é que surgem as problemáticas da filosofia. Platão defendia que o
filosofar é fruto de um sentimento, a admiração,
ou seja, trata-se do homem que admira as coisas de modo que esta admiração
lhe causa curiosidade, vontade saber, de conhecer. Nosso velho Aristóteles, por
sua vez, segue seu mestre e em sua famosa obra intitulada Metafísica entende a filosofia como a mais elevada de todas as
ciências, tendo por objeto o conhecimento das causas e dos princípios da realidade. Todo homem tende ao saber,
procurar sempre conhecer mais, permanecer na ignorância seria ir contra sua
própria natureza. A isto esta atrelada a função da filosofia, que em seu
conceito dá ao filósofo a estatura de amante obsessivo da sabedoria.
Obviamente não podemos considerar que
qualquer devaneio numa tarde de descanso é um trabalho, uma reflexão
filosófica. Para “fazer” filosofia é necessário um diálogo com a história da
filosofia, ou seja, com os pensadores, que ao longo de séculos deram suas
contribuições. Não basta ficar restrito a isso, a esse diálogo, num formalismo
acadêmico intelectual, é preciso ultrapassar isso em vista de uma filosofia
perene. Ou seja, a construção de uma reflexão filosófica deve ultrapassar a
problematicidade do real, adentrar nos conceitos e possibilidades dadas pelos
pensadores que compõem a história da filosofia de modo a incrementar-se de
possibilidades racionais e como que “retornar” com possíveis respostas ao
problema.
Certamente a cultura ocidental não
seria a mesma sem o legado da filosofia grega, este novo modo de fazer ciência.
Um pouco mais de interesse pode levar qualquer indivíduo, diplomado ou não, a
deparar-se com a verdade de que a filosofia se faz presente em todas as possibilidades
de conhecimento ao passo que o eixo-central de seu indagar é o homem, o que
deve conhecer e o que garante seu conhecer. A cada um de nós cabe a cada novo
dia a tarefa de filosofar, de admirar-se, espantar-se com a existência
real que se apresenta aos nossos olhos
e deixar-se guiar levemente pelos caminhos da razão. Não se trata de um caminho
audacioso. Nada mais é do que exercitar a nossa natureza, pensante.
Bruno Fleck