sábado, 17 de agosto de 2013

Com o advento do fenômeno denominado relativismo na era pós-moderna, recorrente vezes fala-se da decadência, abandono, esquecimento, do instinto religioso que existe no homem. Alguns apostam que o fim da religião esta próximo, que não há mais a necessidade de Deus para o homem; o ser humano é senhor de si mesmo, tudo esta em suas mãos. Em linhas gerais este é o argumento. O assunto jamais pode dar-se por encerrado ou deixar-se levar pelos modismos da atualidade. Imersos num cenário cultural de crise da fé, a retomada da consciência de que o ser humano é um ser místico, espiritual e por consequência religioso é urgente. Certamente a crise não esta inserida somente no contexto do cristianismo, apesar de ser evidente uma crise ocidental da fé, mas alarga-se nas outras estruturas de pensamento e fé, além das de caráter judaico-cristão.
Penso haver a necessidade de reafirmar Deus em nossas vidas. Não pode ser descartada em nossos dias a característica espiritual do ser humano, trata-se de um fator antropológico antes de religioso. Acreditamos que a base disto esta na relação criador x criatura, pois: entre o criado e o incriado não há diferença, mas o abismo é total, o abismo do nada. Somente Deus é Ser, toda criatura é um sendo que tem de receber o ser de Deus.[1] Ou seja, devemos ter em mente que nossa existência é fruto do amor infinito de Deus Pai, nós existimos N’Ele e por meio D’Ele e do mesmo modo nós somos portadores de Deus no mundo, coexistimos com a criação que é fruto do amor do Criador, que é reflexo da grandeza de Deus, não se trata de adotar aqui uma visão panteísta, mas sim panenteísta, ou seja, Deus Pai é criador e maior que aquilo que criou.
A partir disto ressoa o dever do autêntico cristão crente, e a mim, na minha condição de cristão, católico apostólico romano, embarcar na contracorrente e dizer creio! Sim, o mundo precisa de Deus, a Encarnação divina do Filho nos deu vida nova, por Ele somos pessoas novas e devemos sem medo anunciar para a glória de Deus Pai e seu louvor: Na verdade Jesus Cristo é o Senhor! (Fl2,11). Maior presente, aliás, maior encorajamento, não podia ser nos dado senão a proclamação do ANO DA FÉ, pelo motu próprio PORTA FIDEI pelo Papa Emérito Bento XVI em sua condição de sucessor do apóstolo Pedro. O objetivo deste ano é a redescoberta da fé[2]. Não só quem se afastou ou pensa ter perdido sua fé é convidado a isto, mas também o cristão praticante, inserido na sua ecclesia deve redescobrir sua fé. Os conteúdos essenciais da fé, a Tradição da igreja, baseada na Sagrada Escritura formam o nosso patrimônio, por conseguinte, este deve ser sempre revisto, reafirmado, revalorizado e interpretado como luz para nossos dias. A fé fruto da ligação íntima com o Pai, é comunicação, relação, portanto, como já mencionamos. Fé é experiência, antes de tudo. O cristianismo não é um conjunto de crenças e normas morais, antes disso é experiência, com o Cristo. É sentir-se filho amado de Deus que é Amor. Caritas Christi urget nos, o amor de Cristo nos impele; quem faz a experiência não a guarda para si, mas sente no coração a necessidade de transmiti-la. Experiência, vivência, transmissão este parece ser o processo de redescoberta. Quem crê fez a experiência, vive a fé, isso se torna testemunho e transmissão. Impelido pelo amor de Cristo o cristão é sinal visível de esperança para o mundo. Acerca disso falava o memorável Papa Paulo VI: Para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, mas igualmente dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. (...) O homem contemporâneo ouve com mais boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então, se ouve os mestres, é porque eles são testemunhas (PAOLO VI, Evangelli Nuntiandi).
A fé é uma busca, a razão do homem exige o conhecimento, a experiência daquilo que é eterno, que nos dá segurança para viver. Cabe a nós, durante este Ano da Fé deixar-nos guiar por este sentimento próprio do nosso “ser” humano de modo mais assíduo, ou seja, renovar o encontro com o Sagrado, pôr-se na condição de criatura e dizer: Creio Senhor, mas aumentai minha Fé! Nossa vida se tornará diferente, tudo terá mais sentido. Redescobrir a fé, os impulsos do nosso coração, da nossa razão, para Deus. Encoraja-nos o Papa Emérito a seguir esta exigência essencialmente humana nossa que constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar ao encontro daquele que não teríamos procurado, se ele mesmo não tivesse já vindo ao nosso encontro. É precisamente a este encontro que nos convida e abre plenamente a fé.[3] Nestes sentimentos estamos dispostos à redescoberta de nós mesmos, da quem somos e para onde vamos. Logo mais o Ano da Fé terá seu encerramento, na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, fim do ano litúrgico cristão, e que assim seja na vida de todos, terminar e recomeçar, na consciência de criatura, que tudo recebe do Pai Criador, a Razão Eterna, Logos que se Encarnou e esvaziando-Se, assemelhando-Se à nossa humanidade deu sentido ao nosso caminhar, que de manhã nasce, fica verdejante, à tarde seca e morre como lembra o salmista, mas que se prolonga e eterniza no mistério do amor de Deus.
Bruno Fleck



[1] ECKHART Mestre, Sermões Alemães. Petrópolis, Vozes, 2005, p.8.
[2] Carta Apostólica sob forma de “Motu Proprio” Porta Fidei do Sumo Pontífice Bento XVI com qual se proclama o ano da fé. Brasília, Edições CNBB, 2011, p.10.
[3] Ibid,p.17.